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HIGIENISMO E BARBÁRIE EM FLORIANÓPOLIS
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A ação que ocorreu ontem na passarela Nego Quirido em Florianópolis onde estão abrigadas aproximadamente 250 pessoas em situação de rua é o retrato da postura higienista da sociedade florianopolitana, em especial da elite representada pela atual Administração Municipal.


Sob o argumento de “organizar e pôr ordem no espaço”, as arrumações e personalizações que os usuários fizeram ao longo de aproximadamente seis meses, desde o início da pandemia de Coronavírus, foram sumariamente destruídas, assim como o fizeram pouco tempo antes com a horta comunitária agroecológica que os mesmos usuários constituíram com apoio de voluntários. Quem cometeu tal atrocidade? Ora, estavam lá a Prefeitura, representada pela Secretaria de Assistência Social, que maquiava o cenário, provavelmente, para produção de campanha eleitoral com uso da máquina pública, a Comcap, entidades privadas como CONSEG, ABA, SOMAR, todas ligadas à Administração, e o braço armado do Município, a Guarda Municipal, que, como relatou uma liderança do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, parecia estar em guerra, exibindo armas de grosso calibre e tubos de spray de pimenta que mais se assemelhavam a extintores de incêndio. 


Destruíram-se objetos, mochilas, remédios, decorações, documentos em algumas horas, numa fração mínima do tempo necessário para que essa estigmatizada população consiga ter acesso aos mesmos recursos. Com apoio de uma força militarizada pronta para combate, a Administração transferiu histórias de vida para o caminhão de lixo, coisas que poderiam ter a vida útil prolongada foram parar no aterro sanitário, talvez com escala no brechó de algum apoiador.


O conceito de “organização e ordem”, que embasou tal ação, restringe-se ao ponto de vista exclusivo, sectário, preconceituoso e higienista de uma Administração Municipal e de seus apoiadores, públicos e privados, e não passa de uma pintura de cal que não resiste um dia sequer após o pleito eleitoral.


É intolerável e desumano o tratamento indigno que as pessoas em situação de rua, os seres humanos que ali residem, recebem da Administração Municipal e de sua curriola. Muitos usuários, tendo deixado seus pertences para trabalhar – isso mesmo, para trabalhar, pois ao contrário do senso comum, as pessoas em situação de rua são trabalhadoras e trabalhadores, e assim como a maioria dos brasileiros, têm muita dificuldade para ter um teto –, seriam surpreendidos com a subtração de todos os seus pertences ao retornar da precarizada jornada laboral. Que mundo é esse?!


O argumento de que "eles foram avisados para retirar as coisas" é tão cruel que chegou a causar náuseas entre outras manifestações muito dolorosas nos corpos dos que ali estavam fazendo o controle social. São membros de uma sociedade civil engajada em dar apoio e proteger essa população vulnerável da truculência de um estado fascista que deseja acabar a pobreza não pela propalada eficiência do capital, mas pelo extermínio. 


A Rede Com a Rua, que fornece diariamente refeições, inclusive no local, e também acompanha pessoas na trajetória da rua para uma moradia digna, na tentativa de mitigar os prováveis e potenciais riscos de uma ação como essa, testemunhou e fiscalizou no que pôde o triste evento.


A sociedade civil, representada pela Rede e outras entidades, continuará, a despeito desse tipo de prática, desoladora, levada a cabo por aqueles que fazem campanha eleitoral com a morte, o sangue alheio e maldade extrema, atenta e atuante contra a opressão sobre quem não tem onde morar, não tem com se defender, não usufrui de segurança alimentar e dos direitos constitucionais básicos e ainda tem seus pertences e sua dignidade, por pouco que sejam, furtados por quem deveria protegê-los.


 “O recolhimento de… objetos pessoais das pessoas em situação de rua, ...configura violação aos direitos dessa população, infringindo os direitos fundamentais da igualdade e propriedade.”  (Art 25 da Resolução nº 40, de 13 de outubro de 2020, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos - CNDH)